Atualização (21/12/2019): refiz todas as análises usando a nova definição de renda domiciliar per capita e seu respectivo deflator.

Interrompendo o meu hiato de alguns meses, resolvi voltar com uma comparação os dados de renda das PNADCs anuais 2016-2017. No entanto, vamos falar um pouco da desigualdade em geral e, então, partir para uma questão mais específica: pobreza na infância1.

Mas, antes de tudo, um aviso:

Todos as estimativas a seguir foram feitas por mim.
Assim, nem IBGE, nem qualquer outra instituição tem responsabilidade a respeito dos meus comentários ou conclusões.

Nas análises abaixo, as rendas foram ajustadas para valores de julho de 2017, de modo que seja possível comparar as mesmas cestas de consumo. Sem mais delongas, vamos às estimativas!2

Desigualdade

Medindo pelo índice de Gini, a desigualdade no país se manteve estável. Entretanto, as estimativas pontuais parecem ter aumentado em 4 das 5 regiões, mas essas variações não são estatisticamente significativas, i.e., podem ser apenas erros amostrais.

Como sabemos, o índice de Gini não é a única medida de desigualdade. Ele também tende a ser mais sensível às desigualdades no centro da distribuição. Vamos, então, complementar nossa análise com o índice de Palma. As conclusões são similares, ainda que a estimativa pontual deste índice para o Brasil mostre um pequeno aumento de 2016 para 2017. Além disso, variação no nordeste se torna mais significativa, embora não o suficiente para afirmarmos que é estatisticamente significativa.

Pobreza na Infância

Antes de olhar as estatísticas, é importante esclarecer algumas questões metodológicas. Como já foi dito anteriormente, as rendas de 2016 e 2017 foram ajustadas para preços médios de 2017, permitindo que os valores sejam comparáveis entre si. Além disso, fixei a linha de pobreza em R$ 235.00, o equivalente a 1/4 do salário mínimo de 2017. De fato, esta linha costuma ser chamada de “linha de pobreza extrema”, enquanto 1/2 s.m. seria a linha de pobreza propriamente dita. Vamos prosseguir com essa nomenclatura.

No sudeste, uma das regiões mais ricas do país, mesmo com desigualdade (geral) praticamente estável, há um indício de piora deste indicador. O norte, por outro lado, parece apresentar uma leve queda. Isto acaba por diferenciar norte e nordeste, apontando com mais claridade o segundo como a pior região em termos de extrema pobreza na infância.

A intensidade da pobreza extrema na infância se manteve estável, variando de 8.7% para 9.2%. Quanto às regiões, as variações, em geral, também não foram estatisticamente significativas. No entanto, o nordeste apresentou aumento significativo do hiato de pobreza.

O hiato quadrático de pobreza indica que a desigualdade entre as crianças e adolescentes em extrema pobreza aumentou. No caso do Brasil, ainda que a taxa de pobreza extrema entre crianças e adolescentes se mostre estável, as variações de renda foram regressivas: quem estava ruim ficou ainda pior. Esta variação foi sentida em 4 das 5 regiões. Novamente, o nordeste merece destaque: de todas as regiões, esta apresentou a variação mais significativa, consolidando o pior lugar segundo este indicador.

Concluindo

Em geral, a conclusão é simples: aquilo que não se manteve estável, definitivamente piorou. Isso revela um pouco do impacto da crise sobre as crianças e adolescentes no Brasil. Resta saber como a economia, no advento de sua recuperação, irá afetar esta população.

Para compor com o clima deprimente deste post, vamos ouvir Daíra cantando Belchior. Nesse mundo de pessoas cinzas normais e humilhados do parque com os seus jornais, vale lembrar que amar e mudar as coisas interessa mais.


Um pós-escrito sobre o “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2018”

Hoje também saiu o Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2018, da Fundação Abrinq. As principais manchetes falam que “40% das crianças e adolescentes até 14 anos vivem em situação de pobreza”. Os dados foram estimados com a PNAD 2015. Embora as coisas não se comparem muito bem entre PNAD e PNADC, vamos tentar calcular estimativas mais recentes.

Nossas contas mostram que 47% das crianças e adolescentes3 estão vivendo em situação de pobreza no Brasil. E a constatação de que essa proporção sobe para 63% e 61% no nordeste e norte, respectivamente, é absolutamente aterradora.

Maranhão, Alagoas, e Amazonas são os 3 piores estados, com aproximadamente 7 em cada 10 crianças e adolescentes até 14 anos em situação de pobreza.

A distribuição espacial mostra como as taxas de pobreza mais altas tendem a se concentrar nos estados do nordeste e norte do Brasil.


  1. Para os fins deste post, infância é, na verdade, infância e adolescência, compreendendo o período do nascimento até os 18 anos incompletos.↩︎

  2. Todas as estimativas foram realizadas utilizando a library convey.↩︎

  3. Aqui estamos usando a definição da Abrinq, de até 14 anos.↩︎