Atualização (21/12/2019): refiz todas as análises usando a nova definição de renda domiciliar per capita e seu respectivo deflator.

Na última quarta (29/11), o IBGE finalmente apresentou as estimativas relativas aos rendimentos de todas as fontes, além de disponibilizar os microdados para os cálculos.

Ok, mas o que isso quer dizer? Aguardei ansiosamente1 para saber como as coisas irão funcionar com o fim da PNAD anual e introdução da PNAD Contínua.
Antes, a PNAD trazia informações referentes ao ano. Agora, a PNAD Contínua traz informações sobre os trimestres. E quanto às informações anuais?
Bom, isso acaba de ser respondido.

Dito isso, vamos às estimativas2.

Desigualdade

Eu tinha certa curiosidade a respeito do quanto as novas variáveis de renda diferenciam das antigas quando se trata de desigualdade. Essa dúvida não foi completamente respondida, já que os dados concomitantes de rendimento da PNAD Contínua e PNAD anual ainda não são estão disponíveis. Mas já podemos ter alguns números.

Todos as estimativas a seguir foram feitas por mim.
Assim, nem IBGE, nem qualquer outra instituição tem nada a ver com os meus comentários ou conclusões. Ou seja: nada aqui é definitivo.

Índice de Gini

Vamos começar com a medida de desigualdade mais utilizada, o índice de Gini. O Distrito Federal é o estado mais desigual do país. Ainda assim, os intervalos de confiança não permitem dizer que existam diferenças estatisticamente significativas entre muitos estados.

A outra coisa clara neste gráfico é que Santa Catarina é o estado menos desigual, embora a diferença em relação ao segundo menos desigual, Mato Grosso, não seja estatisticamente significativa.

No entanto, é importante lembrar que o índice de Gini tem seus problemas3. Por conta disso, vamos explorar algumas alternativas, como a razão de Palma e o índice de Zenga.

Razão de Palma

A razão de Palma é bastante intuitiva. Basicamente, este índice é a razão entre as rendas dos 10% mais ricos sobre a dos 40% mais pobres. Dessa forma, ele consegue ser mais sensível aos extremos da distribuição de renda do que o índice de Gini, por exemplo. Vejamos os resultados para o Brasil.

Bom, o ordenamento muda um pouco. Embora o DF continue sendo o mais desigual, Pernambuco cai uma posição. Isso se deve ao fato deste índice ser um pouco mais sensível aos extremos da distribuição. Entretanto, este índice também sofre algumas críticas. De fato, ele não atende muitos axiomas esperados dos índices de desigualdade. Com isso em mente, incluiremos mais um índice.

Índice de Zenga

O índice de Zenga é uma medida relativamente recente. Ele satisfaz os mesmos axiomas que o índice de Gini, mas “pesa” todas as observações igualmente, mantendo a mesma sensibilidade ao longo de toda a distribuição de renda.

O gráfico revela uma distribuição similar ao da razão de Palma. Em todos os casos, o Distrito Federal apresenta a maior desigualdade.

Pobreza

Olha a desigualdade não é suficiente para analisar a condição de vida na sociedade. Afinal, uma sociedade A pode ser mais desigual que a sociedade B, tendo um nível de pobreza inferior.
Neste exercício, consideramos a linha de pobreza equivalente a 1/4 do salário mínimo em julho de 2016. Ou seja, R$ 220,00. De fato, esse valor pode ser considerado como uma linha de extrema pobreza.

Vejamos, então, as estatísticas de pobreza no Brasil.

Taxa de Pobreza

O indicador mais utilizado quando se discute pobreza é a taxa de pobreza. Basicamente, essa medida é a proporção de pessoas consideradas pobres em determinada população. As estimativas revelam que, na prática, existe um empate entre a proporção de pessoas pobres no Acre e Amazonas. Olhando o resto da lista, pode-se ver que os estados do Norte e Nordeste tendem a “liderar” neste ranking.

Hiato de Pobreza

Em que pese a sua simplicidade, a taxa de pobreza tem um problema: a pessoa que tem R$ 1 a menos da linha de pobreza recebe o mesmo peso da pessoa que tem R$ 200. Desta forma, perde muito da informação a respeito da intensidade da pobreza.
A classe Foster-Greer-Thorbecke (FGT) de índices de pobreza apresenta como solução o Hiato de Pobreza. Este índice pondera cada obervação pela distância em relação à linha de pobreza.

Aqui, o ordenamento muda um pouco. Embora Maranhão continue liderando, o Amazonas cai algumas posições. Comparando Amazonas e Acre, isto indica que, embora a extensão da pobreza entre as duas populações seja praticamente idêntica, a pobreza no Acre é mais intensa. Em outras palavras: a renda domiciliar per capita entre as pessoas em situação de pobreza neste estado é inferior à do Amazonas.
Isso tem impactos importantes quanto às políticas públicas. Por exemplo, um programa de transferência de renda exigiria, proporcionalmente, mais recursos no Acre do que no Amazonas.

Hiato Quadrático de Pobreza

Outro índice da classe FGT, o Hiato Quadrático de Pobreza incorpora a desigualdade de renda entre a população em situação de pobreza. Ao contrário do Hiato de Pobreza, a distância entre a renda de determinada observação e a linha de pobreza é elevada ao quadrado. Ou seja: os mais pobres recebem pesos ainda maiores no processo de ponderação.

Isto implica que transferências regressivas de renda entre os pobres são penalizadas. Por exemplo, se a renda do indivíduo A, mais pobre, é transferida para o indivíduo B (menos pobre), o Hiato de Pobreza é o mesmo, mas o Hiato Quadrático é diferente.

Isso também pode ser visto de outra maneira. Considerando a classe de índices de Entropia Generalizada (GEI), uma classe de medidas de desigualdade, podemos reescrever o índice FGT(2) como uma função da Taxa de Pobreza, Hiato de Pobreza e do índice GEI(2) das insuficiências de renda. Assim, evidenciamos o efeito da desigualdade entre as rendas dos pobres sobre a estimativa do FGT(2). Matematicamente,

\[ FGT_{2}= \frac{FGT_1^2}{FGT_0} \cdot \bigg( 1 + 2 \cdot GEI_{2}^{*} \bigg) \text{ ,} \]

onde \(GEI_{2}^{*}\) é o índice GEI(\(\epsilon\)=2) das insuficiências de renda.

Vejamos os resultados dos estados brasileiros.

De novo, Maranhão é o primeiro do ranking. Porém, o Amazonas se distancia bastante agora. O que isso quer dizer? Talvez a decomposição do índice pode nos ajudar a entender as diferenças nas estimativas do FGT(2) entre as populações.

(#tab:tab_fgt)Decomposição do Hiato Quadrático de Pobreza, 2016.
Área FGT(2) FGT(0) FGT(1) GEI(2)
Brasil 0.031 0.106 0.048 0.223
Maranhão 0.077 0.274 0.126 0.165
Alagoas 0.068 0.223 0.105 0.189
Ceará 0.059 0.209 0.096 0.178
Acre 0.059 0.245 0.103 0.183
Pernambuco 0.057 0.190 0.088 0.197
Sergipe 0.056 0.192 0.087 0.213
Bahia 0.055 0.201 0.088 0.205
Amazonas 0.053 0.248 0.095 0.214
Amapá 0.052 0.197 0.084 0.232
Piauí 0.050 0.217 0.089 0.182
Pará 0.046 0.214 0.082 0.232
Rio Grande do Norte 0.043 0.156 0.069 0.211
Paraíba 0.037 0.175 0.069 0.189
Tocantins 0.033 0.129 0.053 0.259
Rondônia 0.031 0.098 0.044 0.271
Roraima 0.030 0.116 0.046 0.331
Espírito Santo 0.029 0.079 0.040 0.230
Rio de Janeiro 0.025 0.060 0.032 0.244
Minas Gerais 0.023 0.073 0.034 0.235
Goiás 0.023 0.056 0.030 0.218
Mato Grosso 0.019 0.052 0.024 0.334
São Paulo 0.017 0.040 0.022 0.234
Paraná 0.014 0.046 0.020 0.344
Distrito Federal 0.013 0.042 0.018 0.349
Rio Grande do Sul 0.012 0.037 0.017 0.277
Santa Catarina 0.012 0.028 0.015 0.243
Mato Grosso do Sul 0.010 0.041 0.016 0.309
Fonte:
PNAD Contínua 2016, 1ª entrevista. Microdados.

No caso, ainda que o Amazonas apresente maior desigualdade no renda-linha de pobreza dos domicílios pobres, as diferenças na extensão e intensidade são os determinantes deste ordenamento. Isso implica que embora a desigualdade seja mais intensa no Amazonas, a população em situação de pobreza ainda está, em média, numa situação melhor que a do Maranhão.

Concluindo

Embora ainda não tenhamos uma série suficientemente longa para compreender o impacto da crise sobre a pobreza e desigualdade no Brasil, já conseguimos observar a situação dos estados. Como a ideia aqui era só uma análise superficial, muita coisa ainda precisa ser explorada. Por exemplo:

  • Como os preços afetam a distribuição de renda?
  • Como os rendimentos de programas sociais afetam a desigualdade e pobreza?

Acredito que ainda veremos mais sobre esses dados nos próximos meses.

E, como não poderia faltar, o vídeo de final de post!
Já começaram a contagem regressiva para o carnaval?
Nesse vídeo, Bruna Caram e Marina de la Riva interpretam Bloco do Prazer, de Moraes Moreira.


  1. Eu + ansiedade é, praticamente, pleonasmo.↩︎

  2. Todas as estimativas foram realizadas utilizando a library convey.↩︎

  3. Sobre os potenciais problemas do índice de Gini, sugiro esse artigo.↩︎