Há algum tempo atrás, vi uma discussão bem interessante sobre desigualdade e a Grazielle David do podcast É da sua conta! levantou o tema da polarização de renda. Eu já tinha lido um pouco a respeito e tinha até começado a escrever uma apresentação sobre o tema, mas não tinha calculado nada de fato. Deixei anotado para o futuro.

O momento chegou. Neste post, vou tentar explicar um pouco do que é polarização e como essa abordagem se diferencia da desigualdade. Também vou fazer umas continhas despretensiosas usando a PNADC.

O que é polarização de renda?

Existem dois artigos centrais na discussão sobre polarização: Foster e Wolfson (2010)1 e Esteban e Ray (1994). Neste post, vou seguir a abordagem do primeiro, que serve de introdução para a abordagem de Esteban e Ray (1994).

A motivação central de Foster e Wolfson (2010) é um fenômeno chamado desaparecimento da classe média. Embora a relação com a desigualdade pareça óbvia, as medidas usuais de desigualdade não conseguem captar bem este fenômeno (Wolfson, 1994).

Medidas de desigualdade têm o princípio de Pigou-Dalton como fundamento: transferências progressivas reduzem a desigualdade. Isso não é necessariamente verdade no caso da polarização. Neste caso, se uma transferência progressiva ocorre entre dois indivíduos abaixo da mediana ou acima da mediana, a desigualdade cai, mas a polarização aumenta. A ideia central é que, à medida em que essas transferências são repetidas, duas classes tendem a surgir. Estas classes terão pouca desigualdade dentro, mas muita desigualdade entre si. Essa é uma das razões porque esta abordagem é chamada de bipolarização. Como sempre, Hoffmann (2017) explica melhor do que eu explicaria em mil anos.

Do ponto de vista social, qual é a interpretação deste fenômeno? Esta abordagem surgiu para ser sensível à diminuição da classe média. Portanto, à medida que a polarização aumenta, as classes divergem entre si e a classe média, que serviria de mediador de pressões, diminui.

Esteban e Ray (1994) usam os conceitos de identificação e alienação para interpretar polarização em termos da dinâmica de conflitos entre grupos. Um indivíduo tende a se identificar com indivíduos de renda similar (homogeneidade intra-grupos). Por outro lado, ele se sente alineado em relação a outros indivíduos que estão longe dele na distribuição de renda (heterogeneidade entre grupos). O antagonismo entre dois indivíduos é uma função da identificação e alienação entre todos os pares de indivíduos. A soma destes antagonismos é a polarização da sociedade. A medida de Foster e Wolfson (2010) pode ser entendida como uma versão mais restritiva deste modelo, considerando apenas duas classes de mesmo tamanho.

Polarização no Brasil

Figueiredo e Ziegelmann (2009) e Hoffmann (2017) já estudaram este tema usando a antiga PNAD. No entanto, não encontrei nada com a PNAD Contínua. Resolvi calcular algumas coisas para as regiões usando a primeira entrevista da PNADC 2018. Para isso, vou usar o método desenvolvido em Kovacevic e Binder (1997).

A Tabela 1 mostra os resultados. Pelo índice de Gini, as regiões Norte e Nordeste possuem o mesmo nível de desigualdade, com diferenças de 0.003 pontos no índice. Por outro lado, a região Norte apresenta maior polarização de renda que a região Nordeste, com diferenças significativas ao nível de confiança de 95%. O Nordeste é mais desigual que o Centro-Oeste, porém é menos polarizada.

Table 1: Índice de Gini e Índice Foster-Wolfson da renda do trabalho, 2018
Gini
Foster-Wolfson
Região Estimativa Erro-Padrão Estimativa Erro-padrão
Norte 0.514 0.009 0.206 0.006
Nordeste 0.516 0.006 0.177 0.004
Sudeste 0.503 0.011 0.196 0.005
Sul 0.443 0.005 0.182 0.004
Centro-Oeste 0.484 0.007 0.207 0.006
Fonte:
PNADC 2018, 1ª entrevista. Elaboração própria.

Esses “paradoxos” são importantes: eles mostram que desigualdade e polarização de renda são fenômenos diferentes. A figura abaixo mostra que as distribuições do Norte e Nordeste são bem similares, mas que a do Norte é um pouco mais achatada, que se relaciona com a polarização. Já o Centro-Oeste tem um formato diferente, com uma proporção bem menor de pessoas recebendo menos que um salário mínimo e mais pessoas recebendo quantias significativamente maiores que a média.

Bom, concluo por aqui. Vou voltar a esse exemplo quando eu terminar de preparar minha apresentação sobre o tema. Se você tiver interesse, sugiro começar pelas referências abaixo. Por enquanto, o código para as estimativas não está disponível, mas posso pensar a respeito.

Referências

ESTEBAN, J.-M.; RAY, D. On the Measurement of Polarization. Econometrica, v. 62, n. 4, p. 819–851, 1994.
FIGUEIREDO, E. A. DE; ZIEGELMANN, F. A. Mudança na distribuição de renda brasileira: significância estatística e bem-estar econômico. Economia Aplicada, v. 13, p. 257–277, jun. 2009.
FOSTER, J. E.; WOLFSON, M. C. Polarization and the decline of the middle class: Canada and the U.S. The Journal of Economic Inequality, v. 8, n. 2, p. 247–273, nov. 2010.
HOFFMANN, R. Medidas de polarização da distribuição da renda e sua evolução no Brasil de 1995 a 2013. Economia e Sociedade, v. 26, p. 165–187, abr. 2017.
KOVACEVIC, M.; BINDER, D. A. Variance Estimation for Measures of Income Inequality and Polarization - the Estimating Equations Approach. Journal of Official Statistics, v. 13, n. 1, p. 41–58, 1997.
WOLFSON, M. C. When Inequalities Diverge. The American Economic Review, v. 84, n. 2, p. 353–358, 1994.

  1. Publicado originalmente em 1992.↩︎