O princípio de Pigou-Dalton é uma das ideias mais fundamentais na mensuração de desigualdade em variáveis cardinais. Basicamente, quando determinada quantidade de renda é transferida de alguém pobre para alguém rico (i.e., uma transferência regressiva), a desigualdade aumenta.

Algumas medidas de desigualdade atendem o princípio de Pigou-Dalton apenas em alguns conjuntos da distribuição de renda: por exemplo, a razão entre as rendas dos 10% mais ricos sobre os 50% mais pobres – i.e., o índice de Palma – é sensível às transferências nestes grupos, mas independe das transferências entre 50%-90% mais pobres. Essa escolha metodológica pode ser interessante por se restringir aos extremos da distribuição, isolando as desigualdades de uma “classe média”.

Em geral, quando explico essa ideia costumo usar um pensamento social muito relevante da década de 1990: quando “o de cima sobe e o de baixo desce”, a desigualdade aumenta. No entato, eu estou errado. Para ser exato na formulação, o princípio de Pigou-Dalton diz: quando “o de cima sobe \(\delta\) e o de baixo desce \(\delta\), sendo \(\delta\) uma quantidade fixa, a desigualdade aumenta. A quantidade recebida por um deve ser a quantidade retirada do outro.

Ok, mas quando essa diferenciação é importante?

Suponha que existam 3 categorias ordinais de saúde: ruim (\(R\)), bom (\(B\)) e excelente (\(E\)). Em um uso mais liberal da notação, \(R < B < E\). Desejamos calcular a desigualdade nos estados de saúde em determinada população.

Uma ideia inicial seria atribuir valores numéricos às categorias de uma variável ordinal e, sobre estes valores, calcular uma medida de desigualdade tradicional, como o índice de Gini. O primeiro problema seria a escolha da escala \(f\): quaisquer 3 números que atendam \(f(R) < f(B) < f(E)\) são bons candidatos. \((1,2,3),(1,10,100),(10,15,16), \dots\). Embora o ordenamento das medidas não seja afetado pela escola das escalas, nada garante que o valor da medida de desigualdade será o mesmo.

Variáveis ordinais são exatamente isto: categorias com uma relação de ordem, mas sem uma distância clara. Sem suposições adicionais, não é possível afirmar que a distância entre \(R\) e \(B\) é a mesma entre \(B\) e \(E\). Portanto, não faz sentido transferir “unidades do estado de saúde” entre duas pessoas. Logo, o princípio de Pigou-Dalton não se aplica neste tipo de comparação.

Existe, no entanto, uma intuição evidente: uma distribuição em que todo mundo esteja na mesma categoria é menos desigual do que outra distribuição que se divide nos extremos. De fato, existe um princípio capaz de guiar este tipo de comparação.

Hammond (1976) mostrou que, sob um princípio mínimo de equidade, ainda seria possível estabelecer comparações sobre desigualdade de distribuições de atributos ordinais. Como explicam Gravel, Magdalou e Moyes (2020, p. 3), “subir” um indivíduo de uma categoria mais baixa e “descer” um indivíduo de uma categoria mais alta reduziriam a desigualdade. Não existe restrição sobre o valor da transferência, apenas que as mudanças de posição não revertam as posições dos indivíduos. Na outra direção, uma transferência regressiva de Hammond pode ser descrita como: “o de cima sobe e o de baixo desce”. E, sob este princípio, uma transferência regressiva de Hammond aumenta a desigualdade na sociedade.

Usando esta ideia, Gravel, Magdalou e Moyes (2020) desenvolvem várias ideias importantes, mas uma é particularmente interessante: uma versão ordinal do Teorema de Hardy-Littlewood-Pólya. Usando a dominância estocástica de segunda ordem, analisam a desigualdade de regiões da Suíça e comparam com os ordenamentos produzidos com o critério de Abul Naga e Yalcin (2008).

Na verdade, a ideia original da minha dissertação era calcular medidas de desigualdade em autoavaliação de saúde no Brasil considerando o desenho amostral complexo da PNS. No entanto, por motivos diversos, acabei mudando de tema e pretendo retomar essa ideia em breve with a little help from my friends. A ideia de dominância estocástica de segunda ordem também pode ser explorada, mas ainda não sei como. Vamos ver o que acontece depois da dissertação.

Referências

ABUL NAGA, R. H.; YALCIN, T. Inequality measurement for ordered response health data. Journal of Health Economics, v. 27, n. 6, p. 1614–1625, 2008.
GRAVEL, N.; MAGDALOU, B.; MOYES, P. Ranking distributions of an ordinal variable. Economic Theory, jan. 2020.
HAMMOND, P. J. Equity, Arrow’s Conditions, and Rawls’ Difference Principle. Econometrica, v. 44, n. 4, p. 793–804, 1976.