Ao estudar algumas características de populações distintas, outras características podem influenciar indiretamente na análise. Por exemplo, ao ver a taxa de mortalidade bruta (TBM) da Itália e comparar com a mesma taxa do Nordeste pode ser que a primeira seja maior que a segunda. Isso singifica que as condições de vida na Itália são piores que no Nordeste? Não. Acontece que, por causa da estrutura etária, essa comparação não é justa: uma população mais velha tende a apresentar TBM mais alta que outra mais jovem.

Isso não se limita à mortalidade, mas também pode afetar outros fenômenos. Vamos ver o que acontece com a interação entre faixa etária e anos de estudo.

Anos de estudo

A Tabela 1 apresenta as médias de anos de estudo para as quatro populações. O Amazonas tem média superior à de Minas Gerais, idêntica à do Rio Grande do Sul. Minas Gerais, por sua vez, tem um resultado inferior ao do Rio Grande do Sul.

Table 1: Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais - Amazonas, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, 2018.
IC(90%)
UF Estimativa 5% 10%
Amazonas 9.7 9.5 9.8
Minas Gerais 9.3 9.2 9.4
Rio Grande do Sul 9.7 9.6 9.8
Fonte:
PNADC Educação 2018. Elaboração própria.

Olhando os resultados do PIB per capita de 2017, esse resultado é paradoxal. O Amazonas tinha PIB per capita equivalente a 84% e 60% dos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, respectivamente. Como isso é possível?

Estrutura etária

Vamos comparar as estruturas etárias de quatro populações: Brasil, Amazonas, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A Figura 1 mostra que o AM tem uma estrutura etária mais jovem, enquanto MG e RS têm estruturas mais envelhecidas. Esse gráfico é pouco usual, mas fica mais fácil quando pensamos que essas curvas são combinações das “laterais” das pirâmides etárias de cada população.

Distribuição etária - Brasil, Amazonas, Rio Grande do Sul, e Minas Gerais, 2018.

Figure 1: Distribuição etária - Brasil, Amazonas, Rio Grande do Sul, e Minas Gerais, 2018.

Mas isso só conta uma parte da história. Precisamos ver como a média de anos de estudo varia ao longo da vida. A Figura 2 mostra que MG e RS possuem médias similares até os 35 anos, quando as duas curvas começam a divergir. Já o AM apresenta uma curva com um comportamento mais errático, iniciando abaixo de MG, mas superando em entre os 40 e 50 anos. As trajetórias, no entanto, são similares.

Média de anos de estudo ao longo das idades - Brasil, Amazonas, Rio Grande do Sul, e Minas Gerais, 2018.

Figure 2: Média de anos de estudo ao longo das idades - Brasil, Amazonas, Rio Grande do Sul, e Minas Gerais, 2018.

É preciso ter cuidado ao interpretar estas curvas: (1) ainda que a suavização reduza o impacto dos erros amostrais, eles ainda são importantes, principalmente nas idades mais avançadas, onde a amostra é menor; e (2) elas se referem à distribuição de anos de estudo da população em um dado momento, e não à evolução de uma coorte de indivíduos.

Removendo o efeito da distribuição etária

Uma técnica relativamente comum na demografia1 é a padronização direta. Em poucas palavras, você define uma distribuição de referência e ajusta as proporções de outras populações para que ela imite essa população de referência.

Considere a distribuição da população brasileira por faixa etária. Como visto na Figura 1, o AM tem população mais jovem, enquanto MG e RS tem população mais envelhecida2. Já os anos de estudo tem trajetórias similares nas quatro populações. Para fazer uma comparação mais justa, é preciso expurgar o efeito da distribuição etária. Isso é feito ajustando as proporções da distribuição etária de cada estado para que fiquem idênticos às proporções do Brasil.

A Tabela 2 apresenta as médias de anos de estudo e a distribuição da população faixa etária do Brasil e Amazonas. Multiplicando as proporções da população do Amazonas pela média de anos de estudo, temos 9.7, valor referente ao Amazonas. Quando multiplicamos as médias do Amazonas pelas proporções da distribuição etária do Brasil, temos 9.4. Este valor se refere à média de anos de estudo do Amazonas, se esse estado tivesse a mesma distribuição etária do Brasil.

Table 2: Distribuição etária e médias de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais - Brasil e Amazonas, 2018.
Proporções
Anos de Estudo
Faixa etária Brasil Amazonas Amazonas
15-19 0.099 0.131 9.5
20-24 0.096 0.122 11.1
25-29 0.090 0.098 11.1
30-34 0.095 0.111 10.7
35-39 0.101 0.100 10.7
40-44 0.092 0.101 10.1
45-49 0.082 0.077 9.7
50-54 0.081 0.065 9.1
55-59 0.071 0.059 8.1
60-64 0.060 0.044 7.6
65-69 0.048 0.035 7.0
70-74 0.034 0.023 6.4
75+ 0.051 0.034 4.2
Fonte:
PNADC Educação 2018. Elaboração própria.

Repetindo este procedimento para Minas Gerais e Rio Grande do Sul, temos as estimativas apresentadas na Tabela 4. Os números parecem fazer mais sentido: RS têm média de anos de estudo mais alta, enquanto Amazonas e Minas Gerais têm taxas similares. Isso mostra como a distribuição etária “distorce” as comparações quando usamos média de anos de estudo sem padronização.

Table 3: Table 4: Médias bruta e padronizada de anos de estudo da população de 15 anos ou mais - Amazonas, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, 2018.
Bruta
Padronizada
IC(90%)
IC(90%)
UF Estimativa 5% 10% Estimativa 5% 10%
Amazonas 9.7 9.5 9.8 9.4 9.2 9.6
Minas Gerais 9.3 9.2 9.4 9.4 9.2 9.5
Rio Grande do Sul 9.7 9.6 9.8 9.9 9.8 10.1
Fonte:
PNADC Educação 2018. Elaboração própria.

  1. Mas pouco usada na economia, até onde eu sei.↩︎

  2. Esses termos soam estranho, mas são os termos usados na demografia.↩︎