No dia 10/6, o IBGE divulgou os rendimentos de outras fontes, coletado pela PNADC durante a 5ª visita de cada trimestre de 2021; clique aqui para acessar o release completo. Isso me mostrou duas coisas:

  1. Meu modelo de previsão errou bem mais do que eu gostaria. Por que? A relação entre rendimento do trabalho e rendimento de outras fontes mudou muito com a retirada do auxílio emergencial;
  2. É possível estimar a taxa de pobreza por estratos geográficos (outra novidade).

Por enquanto, como as previsões deram errado, vou deixar de lado1 Vamos focar em outros resultados mais interessantes (e certos).

A taxa de pobreza é a proporção de pessoas vivendo em domicílios cujo rendimento domiciliar per capita é inferior à linha de pobreza. O rendimento domiciliar total é a soma dos rendimentos de todos os trabalhos e de outras fontes (bolsa, pensão, etc.) de todos os moradores de um domicílio; para ter o rendimento domiciliar per capita, dividimos o rendimento domiciliar total pelo número de moradores daquele domicílio. Os resultados a seguir consideram uma linha de pobreza equivalente a R$ 500 em valores médios de 2021.

Taxa de Pobreza

Em 2021, tivemos o pior ano da série em termos de rendimento domiciliar per capita. Isso tem impacto direto na pobreza: de 2020 para 2021, fomos de 1 a cada 4 de pessoas em domicílios pobres para quase 1 a cada 3. Esse é a maior taxa de pobreza desde 2012. A Figura 1 também mostra o quão anormal é um salto dessa magnitude: em um ano, o aumento da taxa de pobreza conseguiu ser ainda maior do que o aumento entre 2014 e 2016.

Taxa de Pobreza no Brasil de 2012 a 2021

Figure 1: Taxa de Pobreza no Brasil de 2012 a 2021

A divulgação dos estratos geográficos da PNADC também permitiu analisar como a taxa de pobreza se configura no território brasileiro. Estratos geográficos são agrupamentos de municípios usados no plano amostral da PNADC; isso permite ir desagregar além da divisão usual capital/RM/Resto da UF. No entanto, como as amostras são menores para estes domínios de pesquisa, a divulgação precisa de cuidado adicional: os intervalos de confiança se tornam essenciais, especialmente para avaliar diferenças. O Gráfico 2 mostra as estimativas da taxa de pobreza e respectivos intervalos de confiança para os estratos geográficos.2

Taxa de Pobreza por Estrato Geográfico em 2021

Figure 2: Taxa de Pobreza por Estrato Geográfico em 2021

Se você viu os intervalos de confiança e está achando que tem alguma coisa estranha, você está certo. O Teorema Central do Limite (TCL) estabelece que as distribuição do estimador se aproxima de uma distribuição normal quando o tamanho da amostra tende a infinito. Como a distribuição normal é simétrica, os intervalos de confiança deveriam ser simétricos. O problema é que a amostra ainda não é grande o suficiente para o TCL ser uma aproximação razoável. Por isso, usei a distribuição das réplicas de bootstrap para construir estes ICs, que acredito estar produzindo resultados melhores. Há outras maneiras de construir ICs assimétricos para proporções que não se baseiam nas réplicas, como o método de Clopper-Pearson, mas já fugimos bastante do tema.

Os intervalos de confiança também são importantes para avaliar a mudança entre 2020 e 2021. Como mostra o Gráfico 3, embora a maioria dos ICs se interceptem, o movimento de aumento generalizado nas taxas de pobreza é bastante evidente. No entanto, não estamos exatamente testando a diferença entre as estimativas, já que ignoramos a covariância entre elas. Acho que essas covariâncias são positivas. Ou seja: estamos sendo (estatisticamente) conservadores.

Taxa de Pobreza por Estrato Geográfico em 2020 e 2021

Figure 3: Taxa de Pobreza por Estrato Geográfico em 2020 e 2021

Da mesma forma, a visualização espacial das estimativas exige cuidado adicional para incorporar a incerteza em relação a estimativa. Uma abordagem é usar mapas bivariados, como na Figura 4.

Nível de Pobreza por Estrato Geográfico em 2021

Figure 4: Nível de Pobreza por Estrato Geográfico em 2021

Combinando as informações deste gráfico e dos anteriores

Se você acha que existem cidades perdidas na Amazônia, você está certo. O Vale do Rio Purus (AM) é composto por 13 cidades: Anamã, Anori, Beruri, Boca do Acre, Caapiranga, Canutama, Careiro, Coari, Codajás, Lábrea, Manaquiri, Pauini e Tapauá. Para esta região, a estimativa da taxa de pobreza em 2021 é de 73%, com IC (95%) de 66%-79%. É razoável pensar que algumas dessas cidades podem ter mais de 70% da sua população em situação de pobreza. Uma cidade vivendo sob estas condições certamente está perdida.


  1. Posso tentar de novo no início do ano que vem.↩︎

  2. Uma versão com os nomes das regiões pode ser encontrada aqui.↩︎